Lúcio Alves - Crônica



Fico feliz por te ver assim tão triste



Por Lúcio Alves



“A minha vida está se desmoronando, e as pessoas estão se divertindo muito com isto. Mas eu não perco a dignidade. Continuo trabalhando.” Li esta declaração de uma jovem atriz brasileira que anda metida numa série de problemas pessoais, fartamente explorados pela mídia. Lembrei-me do que disse o cantor e compositor John Lennon, numa fase da sua vida em que nada parecia dar certo: “Ninguém o ama quando você está por baixo e por fora”.

Não é preciso ser filósofo nem antropólogo para teorizar a respeito do viver e do fenecer. Até mesmo os crápulas, nas suas ínfimas pausas de maledicência, devem fazê-lo. John fez parte da cultura pop em sua época, deu o seu recado e nos legou boa música e mensagens humanitárias que muitos menosprezam ou insistem em não captar. Quando foi baleado na porta do Dakota Hotel, o ex-beatle pagou com a própria vida o preço pela incompreensão e pela intolerância.

Com vocação para a inveja e a crueldade, nós crescemos interessados nos revezes uns dos outros. Não foi assim na infância? Nos embates e estripulias com os vizinhos de rua? Nas disputas disfarçadas e humilhações dentro nas escolas? Zombamos do menino quatro-olhos, da menina dentuça, dos gorduchos e dos orelhas-de-abano. Insistimos nas troças até fazer chorar. Sorrimos do sofrimento alheio com semblantes apalermados, comemorando, intimamente ou de forma indisfarçável, o mal que recaía sobre terceiros. Em matéria de maldade, somos bons demais da conta.

O espetáculo da dor e do fracasso presta-se ao regozijo de muitos. Não é por acaso que as revistas que publicam os escândalos dos famosos vendem aos borbotões, enriquecendo seus editores, alvoroçando a energúmena massa. O febril interesse pelas tragédias é surpreendente, mórbido, digno da imersão de psicólogos e demais estudiosos da mente e do comportamento humanos. Para a maioria de nós é prazeroso assistir às autodestruições. Um cantor viciado. Uma atriz alcoólatra. Um pastor pedófilo. Habitantes do fundo do poço. Palhaços que somos gostamos mesmo é de ver o circo pegar fogo.

Durante a vida crescemos adestrados sob padrões e regras, a fim de nos adaptarmos à convivência social sadia e, digamos, normal. Há muitos vieses. Aprendemos a valorizar o supérfluo como se ele fora o essencial. Com aguçados cinco sentidos, reparamos em defeitos e imperfeições aos quais nos julgamos imunes. Valorizamos com tal exagero as aparências que a vida vai ficando assim superficial e sem sentido. Apegados aos bens materiais, tocamos a vida como se fosse uma viola faltando algumas cordas. O som fere os ouvidos, no entanto, acreditamos fazer um concerto e tanto.

A frivolidade e a devoção ao dinheiro são ensinadas dentro e fora dos lares, por pais ausentes e as maravilhas da tecnologia, naquele esforço colossal para suportar a desunida família e manter as aparências. Não é à toa que a filantropia é ofício de uns poucos abnegados. Gastar o próprio tempo ajudando estranhos parece pouco atrativo. Muitos, julgando-se baluartes da benevolência e do desprendimento, desprendem sim algumas moedas nas mãos miseráveis dos mendigos e pedintes que lotam as portas das igrejas e os semáforos das cidades. Entregamos as quirelas por piedade ou por medo?

Para se sentirem melhores, alguns cidadãos abonados fazem doações vultosas às entidades carentes, como se elas carecessem apenas de dinheiro. Os milionários fanfarrões, que garantem preferir o anonimato, salpicam sobre os desafortunados as migalhas de seus quinhões, ao invés de “desperdiçarem tempo” ouvindo, dando atenção sincera, ensinando, aprendendo a viver.

Nas minhas divagações de escritor, e nas incursões silenciosas de um ser vivente, eu me esforço para entender a condição humana no planeta. Tudo parece uma equação complexa e sem um fim que a justifique, aquela mesma sensação que me afligia nas aulas de física e matemática da infância. O professor, criatura boníssima das mais injustiçadas no Brasil, acabava dando uma forcinha e chegávamos a um resultado. A conta era exata e sempre fechava. Mas agora é diferente. Meu antigo professor já nem existe mais, senão em fotografias e na memória dos seus familiares, amigos e ex-alunos, como eu. Quem vai então se apiedar de mim e revelar uma valiosa dica?


Homenagem


Com a publicação desta crônica O Banzeiro Textual presta uma homenagem póstuma ao Escritor, Poeta, Jornalista, Artista Plástico e Advogado, Lúcio Alves de Lima, falecido no dia 12 de maio de 2010, em Palmas, onde era funcionário público Federal: Auditor do Trabalho. Infelizmente, só fiquei sabendo da sua passagem hoje, 18 de maio de 2010. Lúcio Alves de Lima, tradutor de "O Tambor", de Gunther Grass, publicado pela Editora Nova Fronteira, era o que podemos chamar "um sujeito genial", inteligência ímpar, capaz de discutir qualquer assunto com desenvoltura e profundidade. Lúcio era um cidadão do mundo, viveu na Europa, foi um Flanêur, frequentou rodas intelectuais, conviveu com nomes importantes da pintura e da literatura universais. Na Alemanha, cursou, por dois anos, Medicina. Mudou-se para Inglaterra, depois, para Portugal, quando escreveu para diversos Jornais. Falava cinco idiomas: Inglês, Francês, Alemão, Italiano e Espanhol. Uma alma inquieta, inconformada com as mazelas humanas, com os desmandos na administração pública; impaciente com a mediocridade que ronda o meio intelectual e artístico. A você, Caro Lúcio, o meu reconhecimento e a minha homenagem.



Foto by Jornal O Girassol

Um comentário:

  1. Nessa equação incompleta as pessoas passam despercebidas pelos verdadeiros valores humanos... a simplicidade!

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