Rubem Braga - Poema



POETA CRISTÃO


A poesia anda mofina, 
Mofina, mas não morreu. 
Foi o anjo que morreu: 
Anjo não se usa mais. 
Ainda se usa estrela 
Se usa estrela demais.

Poeta religioso 
Mocinha não pode ler: 
Pecará em pensamento, 
Que o poeta gosta do Novo, 
Mas pilha seus amoricos 
É no Velho Testamento.

Ai, o Velho Testamento! 
Eu também faço poema, 
Ora essa, quem não faz: 
Boto uma estrela na frente 
E um pouco de mar atrás.

Boto Jesus de permeio 
Que Deus, nos pratos de amor, 
É um excelente recheio. 
E isso bem posto e disposto 
Me vou aos peitos da Amada: 
Sulamita, Sulamita, 
Por ti eu me rompo todo, 
Sou cavalheiro cristão. 
Minh’alma está garantida 
Num rodapé do Tristão 
E o corpo? O corpo é miséria, 
Peguei doença, mas Jorge 
de Lima dá injeção!

O badalo está chamando, 
Bão-ba-la-lão.

Amada, não vai lá não! 
Eu também tenho badalos – 
Bão-ba-la-lão 
Eu sou poeta cristão! 

(Rio, maio, 1940) 


Fonte Jornal de Poesia

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