A MÍSTICA POÉTICA DE ADALBERTO DE QUEIROZ

Adalberto Queiroz - arquivo pessoal


A Revista Banzeiro traz, nesta edição,  uma SELETA de POEMAS do Escritor Adalberto De Queiroz. Poeta vocacionado, estudioso e pesquisador. Adalberto é natural de Goiânia, formado em Jornalismo pela UFG, cursou Pós-graduação em Marketing, FGV,  e Continuing Education em Medieval Studies, UNM - New Mexico (non-degree). Atualmente reside em Goiânia, onde é Empresário. Em 1985, lançou “Frágil Armação (Poemas)” e, desde 2002, publica regularmente blogs com temas culturais, religiosos e filosóficos. Quase 30 anos depois, voltou a publicar um livro, lançado em novembro de 2014, intitulado “Cadernos de Sizenando” (poemas & crônicas), do qual fazem parte alguns dos poemas desta seleta. 
Young Woman with a Pink Attributed to Hans Memling
POR VEZES PENSO EM TI
(Inédito em livro)


Ao pensar no Teu Sacrifício 
repito: não há suplício igual
Dessa dor - símile, impingida. 

[HḠentanto, uma alegria 

Em tamanha dor sentida.]

Mesmo o pagão, o incréu

reconhece a paga recebida.
(Se as escamas dos olhos
caem; se do cavalo é descido.)

Incompreensão é um lenço

embebido em vinagre sabem-no:
- os que o Cordeiro mutilaram.
- Longe e calmo o Verbo os ouve.

O clamor na Cruz emitido - 

o Filho de Deus a tudo tolera
para que ao fim o homem viva.

Morte e vida; céus rasgados

de alto a baixo feito seda.
O silêncio do sepulcro aberto
Foi a coda de tal infâmia finda.

Ressuscitou! Disseram mulheres

e o mundo as seguiu, em páscoa –
passagem que imensa luz assume.

Do cordeiro ao homem une – 

essa dor: ata Deus e criatura caída. 
[Há na dor uma contrapartida:
Tu e Eu atados em fio de Vida.]
Fonte: blogs.privet.ru/



MODERNA AMÉLIA


Sei chorar antiquado
mas se lembro, disfarço;
sei açucarar o afeto
quando quero -
sei dos meus direitos
e conheço os do estado
civil que nos une.
Por isso, quando tu foges
para um bar ou quando tardas - 
bato o pé, exijo atos
de um maduro disfarce.

Dos "Cadernos de Sizenando", Kelps, 2014.

Fonte: covermyfb.com


A SOPA
Para Mariza Pessoa.


A sopa que desanda, helàs!
Nessa tarde chuvosa e fria
Lembra, amiga, onde estás.
Quanto estamos, todos,
De lágrimas, neste vale
Inundados e transidos.

Grave e triste a tarde cai,

Como monte cai
E desata a solidão da carne,
As angústias d´alma,
Assim como outrora
Pronunciava o vate.

Grave e dolorosa a tarde cai

E tombamos juntos
Como legumes na panela caem.

Dura selva e pesado o século ensaiam

Sua dureza de pedra e aço e torpedos:
E corpos e bombas e pessoas desmaiam
E seu torpor de tempo, embriagados.

E toda a gente se ri de nossos ais...


Só um braço é justo e certo e próximo

Senhora Piedade, mãe amantíssima.
Eis que nos dá a mão e adoça a alma.
Esta alma gentil, presa de ardor
Sussura uma balada, calma, calma...


Virgin and Child
Follower of Hans Memling


ENTRE PALAVRAS



cavando o mineral do verso claro
e nas correntes da história
de funda bateia armado - 
nas minas, à meia distância
entre a pepita e o veio
comum da fala
entre palavras, Sizenando.
Não estás só, nas Minas
Gerais de teus avoengos
Contra os mitos em vão
Carregas o astrolábio.
Entre palavras, um só 
Sem eldorado à vista -
uivando feito um cão.
Entre palavras, Sizenando
e tua surda luta -
procura mais vã.
Ao cabo, o cadinho
dar-te-á, a duras penas,
só cristal de rocha
e rutil - pó e solidão.
*****
De "Cadernos de Sizenando, vol. II".

Fonte: factroom.ru

POESIA FALADA



Palavra à noite cantada 
co' ́a manhã se desfaz 
em palavra granulada: 
matinal achocolatado
já não sente a poesia 
tal qual ressoara clara 
na madrugada alta
- Et pourtant, fala! 
Será a escrita fogo fátuo? 
marca gravada em gado, 
ou cardo na sua pata?
(O poeta-boi rumina, 
mas não é vaca sagrada).
Estrela cadente, cabala: 
meros fogos de artifício 
ruidosos melros da fala: 
na calma manhã se calam.
(...)
*****
Dos "Cadernos de Sizenando", vol.I, 2014.

cabala


Poema (inédito)
                - a Pat Cegan.


Eu escrevo

O que lês.
Tu lês –
O que
Escrevo?

(Entendes tu

O que leio?)

Entendo Tu -

Eu vivo
Tua vida;
Vives Tu
Como Eu?
Feliz és.

Serei Eu -

Réu Teu?
Decifra-me,
Decifro-Te.
- Tu e Eu.

O POETA RUMINA


boi no pasto coletivo

palavras alimentando 
ideias
e a revelação - 
seu sal diario
às sete, às nove - 
oração das horas abertas: 
- sonha acordado 
sua lira tangendo
só e pensativo vai pela estrada:
boi amordaçado - 
pelos demais se imola
o poeta - boi
rumina
mas não é 
vaca sagrada.

Adalberto Queiroz,"Frágil Armação"(1985).

Poeta Riner Maria Rilke


NU
UN

de toda veste despido
com a roupa da alma se vê -
de toda máscara
de toda persona
de toda leitura
de todo orgulho
rompido;
destituído -
Despiram-no
banharam-no
para a passagem.
Quintana fraternalmente o conduz -
"Quanto mais nu, mais Tu!"
Ouve a voz antiga de Georges
(Bernanos)
no leito de morte:
- “Pai, agora somos
só nós dois...”
./.


Mário Quintana - Fonte: ocafe.com.br

FUGITIVA,
(Poema Inédito em Livro*)


a poesia nos escapa
a poesia feito Albertina,
a fugitiva.

"A poesia fugiu

do mundo..."*

Augusto vaticina.

Ah, poesia, tu, menina
que me escapas...
deixando um bilhete
na porta e essa dor
que bate na aorta.
A poesia me escapa -
entanto, não é escape.
Restam os neons,
os vidrilhos raros,
os posts e curtidas
precoces, rápidas.

Os homens ainda

e mais apressados -
mesquinhos, tristes;
não há mais, Augusto,
os fios telegráficos.

A poesia fez

a mala escondida
a poesia disse:
- fui, novamente -
e deixa o mundo
mais vazio;
só a volúpia
arde nessa
hora aflita
em nossa boca
sedenta de poesia.

*****
Dos Cadernos de Sizenando, vol.II, 2015 – inédito em livro
(*)Cit. A poema de Augusto F. Schmidt “A poesia fugiu do mundo”.


Marcel Proust

A TARDE É DA TANAJURA


Apesar de a cigarra
Advogar que não, que não…
Zum, zum, zum - ela jura
Suas penas sem fim.

Dois pássaros passam

voando céleres;
Nenhum pousa na minha mão.
Um é pequeno e amarelo:
Por certo, o rouxinol
Do imperador:
Ai, que dor...aikido!


Salta uma rã

Na perna da moça
Nem por isso é sua caça.

É verde a rãzinha

[Por certo, Quintana
Já a encontrara]:
Nosso Bem
Quisera
Igual-
zim..
Igualzim,
fura-bolo-
Seu
min-
gui
m
...
Dos Cadernos de Sizenando, vol.I, 2014.


Xamã


ÉS SONHOS


Em igual condição sonha todo Ser

No picadeiro, o ilusionista e o equilibrista -
o poeta e a debutante, a costureirinha e a atriz:
- tal qual adolescente só, em busca do prazer
Sonham, sonham.

Sonham a bailarina e o brigadista

o bêbado, o juiz sóbrio - e até mesmo:
- sonham o astronauta e o tratorista;
o veterano de guerra alucinado...

Porém a cor no sonho

[que se nega nos compêndios]
- desenha em gelo:
ácido, pó, no absinto do poeta
do catador de lixo: fazenda antiga.

Do sono se diz sonho à vista:

“Com o sono, eu sonho...”
Os outros vão contigo, ó visionário!

E cada sonho com seu qual:

- determinou o xamã antigo:
Que não haverá traço do rival.
“Com o sono eu sonho...
Os outros vão realizando
O que sonhei.”
*****
De Cadernos de Sizenando, vol.I, 2014.

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