Florbela Espanca - Poema



Florbela Espanca




Poetisa de linhagem dos grandes torturados da época do Simbolismo (Antônio Nobre, Camilo Pessanha, Sá-Carneiro), Florbela apareceu tardiamente, pois na altura de 1920 chegava ao fim a geração a que se filiara; e só depois de sua morte começou a crítica mais autorizada (Jorge de Sena, José Régio) a valorizá-la como uma das maiores figuras da poesia portuguesa. Em sua obra, relativamente pequena, está a confissão da pungente dor de quem ansiou sempre, mas em vão, pela felicidade.
Antônio Soares Amora



EU


Eu sou a que no mundo anda perdida.
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
sou a crucificada...a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!


In. Presença da Literatura Portuguesa: Simbolismo. Antônio Soares Amora. 5ª ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, s/d, p.99
Imagem: Temple of the Sun, Cusco, Peru. Foto by Victoria Shelton - Todos os Direitos reservados.

Florbela Espanca - Poema


FLORBELA ESPANCA
(1895-1930)


Florbela de Alma da Conceição Espanca nasceu em Vila Viçosa, no Alentejo. Muito cedo definiu-se-lhe o temperamento e a sensibilidade poética, de início em confessado parentesco com Antônio Nobre (Juvenilla, 1916). Terminado o liceu em Évora (1917), transferiu-se para Lisboa, (1918), onde inaugurou na Faculdade de Direito e onde publicou o primeiro livro de poemas (Livro de Mágoas, 1919), que passou despercebido à crítica, embora já fosse a afirmação de uma excepcional poetisa, cuja vida foi um crescendo de ansiedades e de amarguras, confessadas com veemência e invulgar poder de expressão literária em outro livro, de que mais uma vez não deram conta os contemporâneos (Livro de Soror Saudade, 1923). Bastante deprimida, com o consolo da amizade e do entusiasmo de apenas poucos amigos, entre os quais Guido Batelli, que lhe preparou a edição do último livro (Charneca em Flor, 1931), morreu, com trinta e seis anos, em Matozinhos, para onde fora em busca de saúde.
Antônio Soares Amora



NIHIL NOVUM


Na penumbra do pórtico encantado
De Bruges, noutras eras, já vivi;
Vi os templos do Egito com Loti;
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.

No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao Bósforo errei, pensando em ti!
O silêncio dos clautros conheci
Pelos poentes de nácar e brocado...

Mordi as rosas brancas de Ispaã
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca de nácar e brocado...

Triste, a florir, numa ansiedade vã!
Sempre da vida - o mesmo estranho mal,
E o coração - a mesma chaga aberta!


In. Sonetos Completos. 9ª ed. Coimbra: Livraria Gonçalves, 1952.
Imagem retirada da Internet - Mulheres.



José Inácio Vieira de Melo - Poema



JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO




Nasceu em Olho d'Água do Pai Mané, povoado do município de Dois Riachos, Alagoas, em 16 de abril de 1968. Publicou os livros Códigos do Silêncio(2000), Decifração de Abismos (2002) e o livrete Luzeiro (2003). Organizador do Concerto lírico a quinze vozes - uma coletânea de novos poetas da Bahia (2004). É jornalista e co-editor da revista de arte, crítica e literatura Iararana.




LAR



Sim, sinto o cheiro do ambiente:
terras torradas pelas brasas do Sol.
Este é o lugar onde me conjugo.

No meio da tarde bato as asas,
saio por aí no voo de um concriz.
Dessas plagas sou semente e fruto.



In.A Terceira Romaria. José Inácio Vieira de Melo. Salvador: Aboio Livre, 2005. p.63
Imagem: Tuiuiú by Sinésio Dioliveira - Todos os direitos reservados.

SALOMÃO SOUSA - POEMA



Salomão Sousa


Nasceu em Silvânia - GO, e está em Brasília desde janeiro de 1971, onde cursou jornalismo, que exerce como funcionário do Poder Executivo. Escreveu os seguintes livros: A moenda dos dias, Ed.Coordenada, Distrito Federal, 1979. A moenda dos dias/O susto de viver, convênio INL, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980; Falo, Thesaurus Editora, Distrito Federal, 1986; Criação de lodo, edição do autor, Distrito Federal, 1993; Caderno de desapontamentos, edição do autor, Distrito Federal, 1994; Chuço, zine xerocopiado (19 números até 1999); Estoque de relâmpagos, prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária, 2002; Ruínas ao sol, Prêmio Goyaz de Poesia, Ed. 7Letras, 2006; Safra Quebrada (reunião dos livros anteriores e de dois inéditos), publicado com recursos do FAC, 2007; Momento Crítico, de textos críticos, crônicas e aforismos.




DENTRO DE MIM


Como doem dentro de mim
as veias fora do jugo
o vazio das cadeiras
e o sentido falho das horas

Furos vazam colheitas
na lenta ampulheta dos dias
Nenhuma delícia me forma
os ganhos fogem de minha brisa

Na rotina embutido
Ficam podres as carícias
e a pele cheia de lacres
não germina ramos de alecrim

Assusto o rosto já aflito
Antecipo a tristeza
e a alacridade do mundo
não acaba com a certeza do fim

Venha embalançar o meu fôlego
vento que ondulou as touças
Vento que andou as léguas
em que não estive

Assombro de um arco-íris
que não sabe abrir outras cores
Bastava a abertura das nuvens
e uma nesga de sol bater em mim


In.Salomão Sousa, Poesia. Brasília: Dupligráfica, 2007, p.178.
Imagem retirada da Internet: Ampulheta

João Cabral de Melo Neto - Poema




JOÃO CABRAL DE MELO NETO





O MAR E O CANAVIAL


O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncios paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional de preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar

*

O que o canavial sim aprende do mar:
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minuncioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.


In.Melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. Seleção de Antonio Carlos Secchin. 4ªed. São Paulo: Global, 1994, p.183.
Imagem retirada da Internet:Ilha de Cabanas

João Cabral de Melo Neto - Poema


A BAILARINA




A bailarina feita
de borracha e pássaro
dança no pavimento
anterior do sonho.


A três horas de sono,
mais além dos sonhos,
nas secretas câmaras
que a morte revela.

Entre monstros feitos
a tinta de escrever,
a bailarina feita
de borracha e pássaro.

Da diária e lenta
borracha que mastigo.
Do inseto ou pássaro
que não sei caçar.



In. Os melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. Seleção de Antônio Carlos Secchin. 4ªed. São Paulo:Global, 1994,p.18.
Imagem retirada da Internet: Bailarina


Gilson Cavalcante - Poema





GILSON CAVALCANTE




Jornalista e poeta, com quatro livros de poesia publicados, Gilson Cavalcante vem construindo uma carreira sólida na literatura tocantinense. Detentor de vários prêmios literários, em 2008 - conquistou o "Prêmio Bolsa de Publicações Dr. Maximiano da Matta Teixeira", da Fundação Cultural do Tocantins, com o livro O Bordado da Urtiga.




Colecionador de chaves



Um colecionador de chaves
adula fechaduras;
não lhe importam segredos.

A sala que se quer cela
novelo de passarinho.

O colecionador de chaves
se tranca na transparência
do condomínio das fadas
e afia a face do espelho
em chuva.

- O leque do silêncio
se abre ao moinho de ventos:
tanta água
enquanto quântico
no coágulo das uvas.




In. O Bordado da Urtiga. Palmas: Kelps,2009,p.53.
Imagem retirada da Internet: chaves antigas

Carlos Drummond de Andrade - Poema







Carlos Drummond de Andrade








INVOCAÇÃO IRADA


Ficou o nome no tempero da comida,
nas fibras da carne
na saliva,
no ouro da mina ficou o nome.

Ó nome desleal que me escavacas
qual se fosses punhal ou fero abutre,
que te fiz para assim permaneceres
dentro de meu ser, se fora dele
não existes nem notícia te preserva?

Foge, foge de mim para tão longe
quanto alcance a mente humana delirante.
Suplico-te que deixes
um vácuo sem esperança de lotar,
amplo, soturno espaço irremediável,
mas deixa-me, larga-me, evapora-te
de toda a vida minha e meu pensar.

Sei que não me escutas,
és indiferente a todo apelo
nem dependes de teu próprio querer.
Gás flutuante,
perversa essência eterna torturante,
vai-te embora, vai,
anel satânico de vogais e consoantes
que esta boca repete sem querer.



In.Farewell.Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Record, 1996, p.68-69.

Heleno Godoy - Poema


Heleno Godoy




Ex-professor de Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade Católica de Goiás, é professor titular de Literatura Inglesa na Universidade Federal de Goiás, onde também leciona Literatura e cinema. É autor das seguintes obras: Os veículos (Práxis, 1968), As lesmas (Agepel, 2002), O ser da linguagem(UFG), A ordem da inscrição (UFG) e Identidades prováveis, representações possíveis (2005), Lugar comum e outros poemas (Kelps, UCG, 2005) e Sob a Pele (UCG, 2007).





Um Espelho, Outra Vez



Este rosto de hoje é uma farsa
sobreposta a uma face inversa.
Imersa em espera e corroída
por si mesma, em aqui ficando,
ela teima em não se ver como é.

Não um espelho à sua frente,
não aquele ricto no músculo
que se contrai a cada dor, cada
picada ou mordida, mas espasmo
irreprimível, uma corrida lágrima.

Pois é assim que nos portamos
e nos postamos diante de uma
foto, gatos desconfiados, que
olham atrás do papel ou espelho,
buscando lá um passado perdido,

uma data já esquecida, roupa
envelhecida e fora de moda,
uma fantasia de pirata, um
holandês não voador, preso
aos tamancos de madeira,

deselegante no andar, como se
assustado com o peso do sapato
estranho, um cachimbo falso
no canto da boca, um olhar
triste, e era foto de carnaval.



In.Lugar comum e outros poemas. Heleno Godoy. Goiânia: Kelps, 2005,p.81.
Imagem: Magrite

Pedro Tierra - Poema





Pedro Tierra





Pseudônimo de Hamilton Pereira, nasceu em Porto Nacional (TO), em 1948. Viveu em seminários e prisões. Por sua militância na Ação Libertadora Nacional (ALN), cumpriu cinco anos de prisão (1972/77) em Goiânia Brasília e São Paulo, sofrendo tortura. Libertado, contribuiu para fundar e organizar Sindicatos de Trabalhadores Rurais. É membro da diretoria executiva do PT desde 1987. Foi secretário de Cultura do Distrito Federal. Desde 2003 é presidente da Fundação Perseu Abramo. Militante informal do MST; participou da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Bibliografia:Poemas do Povo da Noite, Menção Honrosa no Prêmio Casa de Las Américas, em 1977(Sigueme, Salamanca, Espanha, EMI, Milão, Itália, e Livramento, S. Paulo); Missa da Terra sem-males, em parceria com Pedro Casaldáliga e Martin Coplas (Livramento, Tempo e Presença, S. Paulo); Missa dos Quilombos, com Pedro Casaldáliga e Milton Nascimento (disco da EMI); Água de Rebelião (Vozes); Inventar o Fogo(Goiânia); Zeit der Widrikeiten , antologia (Edition DIÁ, Berlin); Dies Irae (Edição do autor, Goiânia, e MLAL, Roma, Itália).





RECONSTRUÇÃO




Ouvir pacientemente
a voz da terra.
Esta voz que ilude o lábio
e escapa,
entre dentes,
sincopada,
da garganta cerrada
do silêncio.

Ouvir a palavra dura,
a dor cuspida
coração afora,
a Esperança sepultada
coração adentro.

Não calar essa voz
essas mãos,
porque então a Terra
falará pela boca dos vulcões.

E não basta ouvir,
é preciso que a mão
golpeie o leme
e corrija o rumo
mar adentro,
terra adentro,
classe adentro,
raça adentro.


Puerto Cabezas, Nicarágua, XI/1981


In. Inventar o fogo. Pedro Tierra. Goiânia, 1985, p.16.
Imagem retirada da Internet Terra unida

Tahar Ben Jelloun - Poema






Tahar Ben Jelloun









Que meu povo me perdoe



Tu que não sabes ler
pega meus poemas
pega meus livros

Faz deles uma fogueira para aquecer tuas solidões
que cada palavra alimente a tua brasa
que cada sopro se perpetue no céu que se abre

Tu que não sabes escrever
que teu corpo e teu sangue me contem a história do país
fala

Seria ilusão do arco-iris
ser apenas de ti
deste corpo mutilado

Eu lerei os livros ao contrário
para ler melhor um prado de flores sobre teu rosto

Eu falarei a língua do campo e da terra
para entrar na multidão que se rebela

Eu desembarcarei nas feridas da tua memória
e habitarei teu corpo que se cala
Nós anunciaremos juntos a primavera às crianças dos
terrenos baldios

Nós anunciaremos o sol moribundo ao astro que se esvazia
Nós anunciaremos o mudar da vida a montanha anônima
que avança

Enquanto eles despacham os assuntos corriqueiros
dançam sobre o dorso uniforme de homens e de mulheres
riem e comem o fígado das mães de luto
Devolveremos o bicho desfigurado aos arquivos dos
ministérios

A história não tem mais intenção de se mover
ela se agarra às fibras da morte
e preside a sessão de abertura no abatedouro da cidade

Nossa história é um território de chagas que uma primavera
de euforia encerra

Lembra-te
íamos pelos campos semear a esperança
Revolvíamos a cidade como a terra grávida

descobríamos árvores selvagens prontas para perfurar o céu
e milhares de ombros voluntários para levar esse país
aos píncaros do sol

acreditávamos na aurora diamantina
a aurora despontava ao chamado das crianças
a rua dançava em nossos braços
esquecíamos que a luz podia gerar alma estranha
embriagávamo-nos ao fogo para melhor abraçar o brilho do céu

Em seguida a cidade e o céu se descompuseram
o sonho partido vertia seu desgosto nas ruelas desertas

O povo amarrou a esperança na espera
prolonga as sextas-feiras
bebe vinho
fuma kif
come vermes da terra
e pega o sol

Os outros
mãos e sexos corrompidos
apostam nossa memória no pôquer

nossa memória envelhece
nossa memória cochila

Povo
minha cabeça está pesada
ela é carniça
ela fede o verbo
ela cai

Eu a entrego à víbora maldita

nossa loucura
nossa cólera
abraçadas à víbora maldita




In. As cicatrizes do Atlas. Poetas do Mundo. Tahar Ben Jelloun. Organização e tradução: Cláudia Falluh Balduino Ferreira. Brasília: Editora UnB, 2003, p.36-43.
Imagem: Fogueira

Antero de Quental - Poema






Antero de Quental













Com os Mortos



Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos...

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos...

Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.


Antero de Quental, in "Sonetos. Porto: Livr. Portuense, 1886, p. 116.
Imagem: Soneto

Francisco Perna Filho - Poema







Francisco Perna Filho







Este poema, da forma como eu o publico agora, é a primeira versão de "Gênesis: uma visão lúdica", que faz parte do meu segundo livro: As Mobílias da Tarde, Goiânia: Perna&Leite, 2006. Esta publicação é dedicada à Dona Adalgisa Nolêto Perna, minha Querida Mãe, pelos 78 anos completados hoje, 01 de novembro de 2009.





GÊNESIS



Era uma vez...
bem depois do verbo
que tudo principiou.
As casas já estavam prontas
e os homens encaracolados
contavam histórias,
faziam filhos até,
por pura inocência,
já que não existia salário-família.

Os filhos cresceram
tecendo histórias
de bichos
de matas
e rios.
Tiveram filhos,
fizeram redes,
trouxeram peixes,
saciaram a fome,
e se tornaram nômades.

Ruas prontas,
casas mal-arrumadas,
meninos vermelhos de barro
aprendiam a assobiar.
Assim os dias passaram,
mulheres pariram,
muita gente partiu,
nasceu aí a saudade.

Muitas luas,
Muitos sóis.
Ruas,
meninos,
destinos.
Olhos projetaram almas,
revelaram cheiros
e se perderam nas lentes de contato.

Uma outra vez,
que não aquela
do começo da história,
chegou Joaquim.
Joaquim no jegue,
trazia frutas no jacá.
Ásperas frutas,
tempos difíceis.
Joaquim olhou o tempo,
sentiu o clima,
amargou o sol.

Após Joaquim,
veio Das Dores,
trazia uma bacia grande
e uma fome descomunal.
As mulheres da cidade
sentiram ódio,
e, pela primeira vez,
jogaram pedras.
Nasceu aí a desconfiança.

Depois das primeiras pedras,
vieram os aviões,
os aeroportos.
E assim, como num átimo,
os pássaros tiveram de dividir o céu,
e o voo capitalizado
fez com que os homens planassem
nas ilusórias pontes espaciais.
Nasceu aí o futuro,
e a mulher plástica
inventou o programa.

Com o programa,
veio o amor virtual,
porquanto os computadores
habitaram os lares insones,
foi quando a camisinha perdeu a originalidade,
nascendo aí a indiferença.

Homens,
carros,
pensamentos.
Tudo revelado
e compactado em chips.
As janelas,
vilarejos,
cederam lugar
a prédios de apartamentos.
Perdeu-se aí a vizinhança.
Dessa forma,
nasceu o verso livre
e o poeta, pela primeira vez, caçou do metro
na sua comunhão com a máquina.

Além do metro,
outras medidas foram impostas,
nasceu assim o contribuinte.
E, por medida de segurança,
a tortura,
a repressão.
E o homem,
Joaquim do Jegue,
lá do começo da história,
foi o primeiro a entrar
na Era Espacial.

O menino toma pé no rio,
toma pé do rio
e sonha.
O menino é João,
que no enjoo do banzeiro
tomba.
O menino bota fé no sonho,
machuca o pé no tombo
e some.

Depois de João,
veio Francisco:
belo nome,
bom rapaz.
Aturdido com o silêncio sono,
sonhou com João
e se afogou.

Muitas luas,
intensas lágrimas,
velas e procissões.
Pedro veio de canoa:
belo canto,
boas remadas.
Engarranchou-se numa raiz de sarã,
virou madeira.

Depois de João,
Francisco
e Pedro,
vieram as virgens,
as beatas,
as prostitutas.
Louvaram o rio,
lavaram roupas,
choraram ausências.



Imagem retirada da Internet: Babel

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