POETA VALDIVINO BRAZ LANÇA LIVRO EM GOIÂNIA


CONVITE


O escritor e jornalista Valdivino Braz e o bar Pop House convidam e contam com as honrosas presenças de Vª Sª e Ilmª Família para a noite de autógrafos do romance O Gado de Deus (Menção Honrosa, sob o título “As dores da terra antiga”, em Concurso Nacional de Romance do Paraná).

Mista de paródia e sátira, tendo como pano de fundo ações militares em que as semelhanças não são meras coincidências com um período da história brasileira, a obra espelha o conturbado mundo dos personagens, lidando com atos brutais e conflitando-se com a Providência Divina. Um livro forte para espíritos fortes. Diversão e choques elétricos. Irônico, político, pungente, hilário para falar a sério. Em foco a corrupção política, os descaminhos das instituições, dos poderes constituídos e das autoridades estabelecidas. O Brasil de ontem e de hoje.

Data: 24 de agosto (terça-feira) de 2010

Horário: 20h30

Local: Pop House (Rua 1.145, nº 228 – Setor Marista – Goiânia (Nos fundos do Batalhão de Choque da PM. Via de referência: Av. Ricardo Paranhos). Telefone: 4141-4922. Confira o balãozinho no mapa abaixo.

Brasigóis Felício - Crônica


A arte insólita de Moacir


Brasigóis Felício *



No povoado de São Jorge, em Alto Paraíso, vive um artista do povo, de imaginação onírica ou insólita, chamado Moacir. As estranhas figuras que desenha e pinta lembram o museu do inconsciente, de Nise de Silveira, que fez uma revolução na psiquiatria, ao revelar talentos artísticos de criaturas psicóticas em alto grau. Moacir faz seus desenhos desde os sete anos. Filho de pais muito pobres, garimpeiros e catadores de lenha na região, começou pintando nas pedras, paredes, toras, e o que encontrasse à sua frente.

Depois, já crescido, danou a ter medo de gente, evitando o contato até mesmo enquanto desenhava para as pessoas. Protegia-se com um cobertor vermelho, e segundo o pai, quando entrava no campo voltava correndo para casa, ao sentir “catinga de gente”. Aos poucos foi vencendo a ojeriza a gente, ampliando seu imaginário, à medida que via mais coisas e pessoas. Reportagens sobre ele já foram feitas, e são freqüentes as visitas de turistas, vindos da Europa, interessados em conhecer seu trabalho insólito.

O cineasta Walter Carvalho realizou um muito bom documentário sobre ele, intitulado: Moacir – arte bruta. Em verdade, é injusto ou equivocado chamar de bruta a sua arte – até por ser ela muito sensível, extrapolando as fronteiras ao alcance da mente racionalista. Analfabeto que lê alguma coisa, é uma estranha figura, tão insólita quanto as imagens que desenha. Sua mãe conta que ele rejeitou o seu leite. Dele não precisou. Bebeu direto da fonte da mãe natureza. Pintando o que vê no escuro, e não compreende, em sua inconsciência, pinta o que não sabe nem sente. Apenas expressa em dom natural o que o que ele vê no ar, em pleno escuro.

Visto, no início, como demente, em função de sua ojeriza a “catinga de gente”, hoje é aceito como artista pela comunidade de gente simples, se bem que alguns ainda se horrorizem com os seus capetinhas chifrudos. Se antes pintava escondido, passou a ver as pessoas de modo diferente, quando enxergado por um novo olhar. Não havendo mais estranhamento em relação ao seu estranho modo de ser, de viver e de se expressar, passou também a aceitar o contato. Sempre continuando o que tinha aprendido, continuou aprendendo.

Moacir pinta de dentro para fora, enquanto processa as imagens que lhe vêem do inconsciente. Enquanto as imagens de seu mundo insólito se ampliam, seu traço é sempre o mesmo. Inútil querer explicá-lo à luz da lógica cartesiana, como Siron Franco, em visita a Moacir, tentou faze-lo, mas de modo infeliz. Tanto assim que, ao brincar de desenhar, com o artista da arte bruta, saiu, digamos, humilhado, pelo olhar totalizador e integrador do artista naif, que deu sentido ao desenho iniciado pelo artista consagrado. Tal fato foi registrado pelo crítico que apresenta o documentário, no canal 66. Longe aqui estou de comparar Siron a Moacir – isto seria um absurdo. Apenas estou a assinalar que o saber cartesiano não é capaz de manipular – e sequer de entender – o que brota das luzes e sombras do inconsciente.

São longas e interessantes as falas de Moacir – de certo modo, soam como legendas, apontam para a incongruência do querer explicar o inexplicável, reduzindo o fluxo onírico de uma mente estranha e penetrante a teorias, esquemas, enquadramentos:”Não é o que eu falo? Essa coisa que ele desenha traz para ele o entendimento. Isto ta na cabeça dos compreendidos. Mas ta fora da cabeça dos que ignoram”.

Ele também diz que envelhecer é muito ruim, sempre diz isto aos jovens. E quando eles perguntam como fazer para não ficarem velhos, ele diz que são muito bons para isso a formicida, o BHC, o veneno para ratos. Mas ninguém quer saber de beber, então vão ter mesmo que envelhecer. À lista de providenciamentos para evitar o envelhecimento o pai de Moacir poderia acrescentar a longa lista de drogas ilícitas, como o crack, a cocaína, e outros baratos que, no fim das contas, não saem barato...

Passado o tempo em que não queria ver nem ser visto por gente, Moacir passou a crescer, com a dor de existir e conviver. E se fez diferente, permanecendo o mesmo. Sem nada saber de seu gênio criativo, nem de sua humanidade, mas também sem fazer de seu ofício uma missão fatídica de o trair. “É longe, muito longe o pensamento”, diz Moacir, em um monólogo que poderia ser de um energúmeno, se não expressasse uma profundidade da qual ele mesmo não se dá conta: “O meu pensamento tá muito longe... nem sei desse pensamento. Pensamento, entendeu? Pensamento...”.

Lá vai Moacir, artista doidivano, pelas ruas empoeiradas do povoado de São Jorge, a conduzir sua bicicleta cargueira, à frente da qual vai uma imagem do capeta, que ele mesmo fez. Sob olhar acostumado dos nativos, e o susto e espanto dos turistas, atravessa a tarde solarenga, não sabendo que com este gesto inconsciente de afronta aos que desfilam e cantam no coro dos normóides, atua como inteligente marqueteiro que não sabe o que é marketing.

Só ele vê o mundo em que vive – ninguém pode expressar ou entender o mundo que ele vê. As pessoas se espantam e não aceitam que alguém possa enxergar o estranho e grotesco mundo que a elas não é revelado. Moacir, porém, não se importa, pois vive em fulgores de não saber o que os críticos ensinam por não saberem fazer.

Feliz é o ingênuo Moacir, que no povoado de São Jorge vive no mundo do desenhar e pintar as imagens que lhe vêem do inconsciente (que ele garante estarem no ar) sem perder-se no nos entrechoques com as vanidades do pensamentar que só é capaz de criar, aumentar e reproduzir as dores e conflitos de um mundo que tudo perdoa, menos a verdade, a inocência e a pureza que levam pessoas como Moacir à dignidade e grandeza de serem iguais a si mesmas.



* Brasigóis Felício, escritor e jornalista, é vice-presidente da UBE-go e membro da Academia Goiana de Letras.

Imagem retirada da Internet: Moacir

Deu na Folha de São Paulo: Morre o Poeta Edwin Morgan

Morre Edwin Morgan, um dos poetas mais importantes da Escócia

DA FRANCE PRESSE, EM LONDRES


Edwin Morgan, considerado um dos poetas mais importantes da Escócia, morreu nesta quinta-feira aos 90 anos, informou a Academia Escocesa de Poesia. Ele sofria de pneumonia.

Morgan foi nomeado primeiro poeta nacional, ou Scots Makar, em 2004. Ele era conhecido pela variedade de sua escrita, que passava pelo soneto e pela poesia concreta.

Nascido em Glasgow em 1920, ele serviu ao corpo médico do Exército Real e ensinou inglês por mais de 30 anos na Universidade de Glasgow, informou o jornal The Guardian.

O primeiro-ministro da Escócia, Alex Salmond, chamou Morgan de "um homem verdadeiramente bom, um poeta excepcional e uma inspiração".

"Amado na Escócia e no mundo todo, seu trabalho tratou de questões globais e eventos históricos", disse o premiê segundo a BBC.

"Sua paixão por observar todos os aspectos da vida escocesa levou a Escócia para o resto do mundo."

A poeta britânica Carol Ann Duffy disse sobre seu amigo: "Um gênio bom, generoso e gentil se foi. Ele era um filho da poesia e abençoado por ela. Ele é simplesmente insubstituível".

Em 1982, Morgan recebeu a ordem do Império Britânico. Em 2000, ganhou da rainha a medalha dourada da poesia.

O poeta irlandês Seamus Heaney, que ganhou em 1995 o Prêmio Nobel de Literatura, disse: "sua coragem como homem e sua constância como poeta só aumentavam com a idade".

"Toda a comunidade de poetas orgulhava-se de sua fertilidade, e foi bom ele ter vivido suficiente para saber a consideração que sua cidade e seu país tinham por ele", diz Heaney, citando Glasgow, a maior cidade da Escócia, sobre a qual Morgan escreveu muitos de de seus poemas. Outro tema caro ao poeta era a ficção científica.

Homossexual, Morgan só assumiu sua orientação sexual em 1990, quando tinha 70 anos, depois de a homossexualidade ter sido descriminalizada na Escócia.

"Um espírito solidário que respirou solidariedade, um experimentalista que não desdenhava a acessibilidade", completou Heaney.

Influenciado pelo poeta russo Maiakóvski, pelo britânico William Blake, pelo italiano Eugenio Montale e pelos beatniks, como Allen Ginsberg, Morgan trabalhou também com traduções, vertendo para o inglês textos de idiomas como russo, húngaro, francês, alemão, italiano, latim, espanhol e português.


Fonte:Folha Ilustrada

Imagem retirada da Internet: Edwin Morgan

Deonísio da Silva - Ensaio



TERRY EAGLETON
Ateístas de ocasião


Por Deonísio da Silva em 17/8/2010




O britânico Terry Eagleton, de 67 anos, é filósofo e crítico literário. Não navega na internet, não tem e-mail, não anda com celular e usa computador apenas para escrever. Ele faz falta na internet. Seus adversários intelectuais teriam muito a perder e sofreriam muito com suas tiradas irônicas. "Católico desde o berço e marxista desde a escola", como o definiu Laura Greenhalgh, que o entrevistou para o Estadão (14/8, caderno "Sabático", p. 4), disse que a onda de ateísmo atual começou no dia 11 de setembro de 2001. É que irrompeu ali um "absolutismo metafísico que colocou o Ocidente em xeque". Em nome do Islã, pessoas doavam a vida, certas de que morreriam em troca de um bem maior.

Aos ateístas, ele dá um conselho que não pediram. Nas palavras da entrevistadora: "Em vez de desacreditar Deus e fomentar a islamofobia, é tempo de recuperar o melhor das tradições socialistas e judaico-cristãs, gerando pensamento ético."

De sua autoria, a editora Civilização Brasileira está lançando O problema dos desconhecidos, e a Jorge Zahar, Jesus Cristo – os evangelhos. Ao criticar com veemência o biólogo Richard Dawkins, autor de Deus - um delírio (Companhia das Letras), ele diz: "Dawkins é um liberal respeitável, inclusive se manifestou contra a intervenção no Iraque", mas "está no fundo contribuindo com a ideologia da guerra, ao investir de forma tão alucinada contra Deus." Acha também que os autores ateístas surgidos recentemente formulam falsas questões: "Quando o mundo começa efetivamente é uma pergunta para os cientistas, não para os teólogos. Até São Tomás de Aquino sabia disso."

A política não se interessa pelas pessoas

É uma crítica nada sutil. Os autores que lideram o combate ao que entendem por Deus, nem sequer se dão ao trabalho de aferir se são maioria os cristãos que não aceitam a teoria da evolução e acreditam que Deus criou o mundo, lendo a Bíblia como se fosse um livro de ciências. Isso é coisa do século 19.

Eagleton teve um livro sobre teoria literária muito lido. A intelligentsia vivia outra época. Eram os anos 1960 e 70. "Havia uma atmosfera intelectual ambiciosa." E hoje? "Ficamos menos ambiciosos." E pergunta à entrevistadora: "Já percebeu como as pessoas não estão interessadas em formular questões fundamentais?" E ela indaga: "Seria preguiça intelectual?" Ao que ele responde: "Não é bem isso. As pessoas formulam grandes questões quando sentem que há chance de mudança lá na frente. Hoje as visões ficaram estreitas e de curto prazo, justamente quando o mundo mais se globaliza. A inteligência se retraiu, consequentemente a teoria literária também."

Como se trata de um autor que é também professor, acrescenta: "Perdemos o nervo que nos fazia ousar. Meus alunos hoje só se interessam por cultura popular. Ou pela cultura da política, não pela política." E, criticando especialmente as alunas, diz que elas não querem saber do potencial transformador que o movimento de liberação da mulher teve nos anos 1960.

Conclui dizendo que as pessoas não se interessam pela política porque a política não se interessa por elas.



In.
Observatório da Imprensa
Deonísio da Silva, escritor, doutor em Letras pela USP

Alcir Pécora - Crítica Literária


Erudito dissonante


Wilson Martins (1921-2010), sob vários títulos, poderia ser autor muito lido, citado e consultado na crítica universitária contemporânea. Em primeiro lugar, pela aproximação ampla que tentou da cultura material e, em particular, da história do livro e da leitura -hoje, objeto de uma infinidade de teses e artigos.

Foi o que fez, por exemplo, em ‘A Palavra Escrita - História do Livro, da Imprensa e da Biblioteca’ (1957), quando os historiadores Robert Darnton ou Roger Chartier nem haviam feito graduação.

Depois, pelo esforço de pesquisa documental exaustiva, pela disposição de compor inventários, séries cronológicas e biobibliográficas, que hoje são procedimentos correntes e valorizados nas investigações de arquivo em todas as faculdades importantes do país.

Nem seria preciso lembrar o quanto isso ocorre nos sete volumes da ‘História da Inteligência Brasileira’ (1976-79).

Martins poderia ser autor apreciado também pelo amplo cruzamento de áreas que promove em suas análises, pela comparação sistemática da literatura com os diversos gêneros letrados praticados em certo período.

Encontra hoje muitos ecos a sua tentativa metodológica de elencar e contrapor diferentes fenômenos intelectuais, de modo a lançar hipóteses sobre a sua estrutura comum, a detectar o que constituísse a sua ‘forma mentis’, como dizia, bem como a homologia entre as várias práticas intelectuais e artísticas.

É o que ocorre não apenas na citada ‘História da Inteligência Brasileira’, cujo título já é elucidativo desse empreendimento interdisciplinar, mas de boa parte de sua crítica.

Mas não se passa assim. Talvez consultado, antes das aulas, mas não discutido dentro delas; poucas vezes debatido nas bancas diárias dos estudos literários na universidade.

Por que isso se dá? Ou melhor, como isso se deu?, ocorre perguntar, quando a sua morte tão recente salienta, de repente, a sua ausência anterior.

É possível que o descaso seja fruto colhido pela ruptura do pacto de cordialidade no trato de parceiros de profissão? Está claro que Martins não tinha mãos para panos quentes e sua escrita deixava vazar sem dó o gosto da polêmica e da mordida crítica. Não raro, anotava na obra examinada a pouca familiaridade com a matéria, a ignorância bibliográfica, a indigência no domínio da língua, quando não isso tudo, e mais.

Em qualquer ano que se abra, por exemplo, os dois volumes da sua ‘Crítica Literária no Brasil’ (1983), colegas de ofício, com carreira acadêmica e representação institucional importantes, se veem constrangidos a lhe sentir publicamente a fervura do verbo.

A vontade de tornar expressiva e superjustificada a crítica que fazia, mais do que de matizá-la e equilibrá-la, dava ar de truculência verbal e mesmo de destempero ao que, por outro lado, estava mais para orgulho de andar sozinho, de ser avis rara ‘no país da patotagem, do compadrio, do você é de direita, eu sou de esquerda’, como o traduziu seu editor José Mario Pereira.

É como se não aliviasse a mão para deixar claro que se comprometia moralmente, existencialmente, com a dissonância que introduzia na conversa, e que o desacordo era o modo privilegiado de fazer andar a conversa.

À estridência de sua crítica, que entrava sem pedir licença na cena da leitura, confundindo, por vezes, rigor e falta de polidez, tem correspondido o silêncio diante dela, o que tanto ressalta o ambiente suscetível e aparelhado, como a simples indisposição para o trabalho que daria responder a ela. Mas essa é apenas a hipótese mais imediata para o terceiro plano ao qual se relega a sua obra vasta, de proliferação enciclopédica.

Se comecei dizendo que Martins calhava com certa tendência inventarial da crítica contemporânea, ele se afasta dela não apenas pela exacerbação crítica, pela erudição, mas sobretudo pela concepção de crítica, que dá primazia cultural ao debate e ao juízo ‘a quente’ da produção contemporânea -exercidos principalmente nas páginas dos jornais- sobre o ensaio crítico universitário elaborado sobre o consagrado e consensual.

Quando ele diz que ‘a crítica só pode ser universitária depois que a crítica jornalística deu a sua palavra’, não está afirmando apenas uma prerrogativa temporal, mas uma precedência epistemológica. Num ambiente em que o jornalismo literário e de erudição autodidata já perdeu há muito tempo o prestígio diante da especialização universitária, compreende-se que Martins soe antiquado.

Não é o mais grave. Não é apenas que, por exemplo, as páginas de literatura se encolham nos jornais, não fosse por outro motivo, pela falta de eruditos nas redações ou de intelectuais de primeira dispostos a entrar na cena armada dos lançamentos editoriais.

Mais drástico é o encolhimento dos estudos literários dentro dos próprios departamentos universitários de literatura, a qual perde -já perdeu- não apenas espaço para os estudos culturalistas de gêneros, minorias, direitos, testemunhos terríveis e edificantes, como para a ‘teoria’ que a toma como ilustração e exemplo, não como corpo epistemológico da investigação ou do prazer físico da leitura.

Quer dizer, quando a própria literatura sai de cena, o nome de Martins é só mais um que sai junto com ela.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)."

Principal obra será relançada no ano que vem

Crítico literário atuante na imprensa brasileira, Wilson Martins morreu em Curitiba (PR) no dia 30 de janeiro de 2010, aos 88 anos. Nascido em São Paulo, foi professor de literatura na Universidade Federal do Paraná até 1972 e na Universidade de Nova York (EUA) até 1992.

Colaborou na revista ‘Joaquim’ -criada em 1946 pelo escritor Dalton Trevisan- e nos jornais ‘O Estado de S. Paulo’, ‘Gazeta do Povo’ (de Curitiba), ‘Jornal do Brasil’ e ‘O Globo’ (ambos do Rio). Seus textos na imprensa estão em ‘O Ano Literário’ (Topbooks) e ‘Pontos de Vista’ (T.A. Queiroz). Escreveu ainda ‘A Ideia Modernista’ (Topbooks) e ‘A Crítica Literária no Brasil’ (Francisco Alves).

Mas sua obra de maior envergadura é ‘História da Inteligência Brasileira’, em que percorre, em sete volumes, a formação das ideias politicas, sociais e culturais no país desde o século 16. Ela será relançada em 2011 pela Editora da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Martins recebeu dois prêmios Jabuti pela obra -em 1977 e em 1978."


Fonte:


Imagem retirada da Internet: Alcir Pécora

Ildásio Tavares - Poema

















Natal em Bagdá
Thomas Hardy 2004


Dois meninos se caçam.
Dois meninos se acham
e se matam no deserto sagrado,
à sombra de um imponente zigurate.

Indiferentes, fluem os rios
que amamentaram a civilização
no lugar de onde saiu a semente
de justiça, de paz, o ungido do Senhor.

Fosse outra ocasião,
esses meninos estariam jogando bola
e depois, tomando uma cerveja
no primeiro bar da esquina,
contariam suas proezas, um
da fantasia, outro da realidade
de seus haréns, como fazem
os meninos de Ceca e de Meca,
de cá e de lá.




Imagem retirada da Internet: Meninos da guerra

Leila Míccolis - Poema



Vã Filosofia...



Falas muito de Marx,
de divisão de tarefas,
de trabalho de base,
mas quando te levantas
nem a cama fazes...



Imagem retirada da Internet: cama desfeita

Vinícius de Moraes - Poema





A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi
alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes."



Fonte: Vinícius de Moraes
in
Antologia Poética
in
Pátria minha
in
Poesia completa e prosa: "Nossa Senhora de Los Angeles"

Imagens Google

Ildásio Tavares - Poema












Canto do homem cotidiano



Eu canto o homem vulgar, desconhecido
Da imprensa, do sucesso, da evidência
O herói da rotina,
O rei do pijama,
O magnata
Do décimo terceiro mês,
O play-boy das mariposas
O imperador da contabilidade.

Esse que passa por mim
Que nunca vi outro assim.

Esse que toma cerveja
E cheira mal quando beija.

Esse que nunca é elegante
E fede a desodorante.

Esse que compra fiado
E paga sempre atrasado.

Esse que joga no bicho
E atira a pule no lixo.

Esse que sai no jornal
Por atropelo fatal.

Esse que vai ao cinema
Para esquecer seu problema.

Esse que tem aventuras
Dentro do beco às escuras.

Esse que ensina na escola
E sempre sofre da bola.

Esse que joga pelada
E é craque da canelada.

Esse que luta e se humilha
Pra casar bem sua filha.

Esse que agüenta o rojão
Pro filho ter instrução.

Esse que só se aposenta
Quando tem mais de setenta.

Esse que vejo na rua
Falando da ida a lua.

Eu canto esse mesmo, exatamente
Esse que sonhou em, mas nunca vai
Ser:
Acrobata,
Magnata,
Psiquiatra,
Diplomata,
Astronauta,
Aristocrata.
(É simplesmente democrata)
Almirante,
Traficante,
Viajante,
Caçador de
Elefante
(Vive só como aspirante)
Pintor, compositor
Senador, sabotador
Escritor ou Diretor
(É apenas sonhador)
Pistoleiro,
Costureiro,
Terrorista,
Vigarista
Delegado,
Deputado,
Galã na tela
Ou mesmo em telenovela,
Marechal,
Industrial,
Presidente,
Onipotente,
(Ele é simplesmente gente)
E, inconsciente marcha pela vida
buscando no seu bairro
Na cidade lá do interior,
No escritório, consultório
No ginásio,
Na repartição,
Na rua, no mercado, em toda a parte
Somente uma razão
Para poder dormir com a esperança
E de manhã, na hora do encontro
Com o espelho, ao fazer a barba,
Ver o reflexo do campeão,

Mas que, na frustração cotidiana,
Vai encontrando aos poucos sua glória
Por isso eu canto a luta sem memória
Desse homem que perde, e não se ufana
De no rosário de derrotas várias
E de omissões, e condições precárias
Poder contar com uma só vitória
Que não se exprime nas mentiras tantas
Espirradas sem medo das gargantas
Mas sim no que ele vence sem saber
E não se orgulha, campeão na história
Da eterna luta de sobreviver.



Fotografia by Antonio Simoes: Paisagem Urbana

Enzo Carlo Barroco - Poema













Paisagem num fim de tarde





Ai, essa tarde tão bela

Sobre a baía turva,

Ante uma nuvem amarela,

Ante o dia que se encurva!


E um vento trazendo frio,

Não vejo sinal de chuva;

Súbito um arrepio

Na tarde silente e fulva.


Na paisagem me intrometo

Pois os segundos se apressam,

Que a noite surgiu à porta


Toda vestida de preto.

Ai, essa tarde tão bela

Logo mais estará morta!




Enzo Carlo Barrocco, paraense de Tracuateua, poeta, contista, cronista e pesquisador literário, no convés da fragata desde 1960, caminha por vários gêneros poéticos, como o soneto, o poema livre, o poetrix a trova, o hai-kai, embora algumas vezes tenha enveredado pelas sendas do conto, da crônica e da pesquisa. A síntese, como próprio poeta gosta de afirmar, é a sua principal característica, dando especial atenção à poesia que é o seu melhor momento.



Imagem retirada da Internet: Fim de tarde em Niterói

Alexandre Bonafim - Poema


“Um cavalo corta o corpo

de meus ancestrais perdidos

um cavalo corta o peito,

fere o coração ferido”

Lara de Lemos



“Et beaucoup n'ont pas la chance
De le voir passer un jour
Le cheval bleu

Gilbert Becaud

O cavalo azul

à memória de Dora Ferreira da Silva



Um tropel de silêncio e eternidade

desdobra o ar em acordes levíssimos,

feitos de orvalho e bruma.

As crinas vão desatando o infinito,

as estrelas, a solidão mais aguda.

Eis o instante do cavalo azul.

Eis a sagração do céu em nós.

De seu dorso nascem os desastres.

Procelas tatuam o seu plexo.

Nos seus flancos levitam violinos de água,

teclas de pólen, sinfonias de esquecimento.

Jamais a morte poderia nos assaltar

com maior doçura, com mais bela música.

Jamais o sofrimento teve olhos tão dóceis,

cílios de mel e vinho.

Nunca o instante teve essa luz raríssima,

desenhada pelas puras formas

de um relâmpago cego,

diamante vivo a deslumbrar a noite.

A rutilância dos segundos galga nossa pele,

a terra olorosa do corpo.

Em chamejante espiral de nuvens,

o cavalo azul nos enlaça em seu fulgor,

na ternura de uma violência incontida,

dança de galáxias e sóis delirantes,

vórtice febril, iluminado.

Ao toque do seu pêlo de súbitos incêndios,

queimamos nossa alma no eterno,

aderimos nossa pele ao infindável.

Festa múltipla, embriaguês da febre,

somos a celebração dessa sonâmbula magia,

pulsar sagrado desnudando-nos para as tempestades,

para a decantação dos mares selvagens.

Eis o instante da morte aguda.

Eis o êxtase do tempo soberano.

O cavalo azul nos visita

com sua aparição de lanças desnudas,

de lâminas agudas, mil raios

a trespassarem nossas feridas.

Quando suas patas arpejam a terra,

as sementes fecundam os sonhos,

despontam do pó ramos e milagres,

frutos abençoam a encantação do amor:

o cavalo marinho e os oceanos,

o cavalo turquesa e os mares,

o cavalo de âmbar e os corais ardentes.

Reluz na noite um fulgor de adaga desnuda,

fulgente aparição a cortar o sonho dos mortos,

o sono das estrelas marinhas: cavalo azul

a relampejar pelos caminhos o tempo das cicatrizes.

Sua crina flamejante, seu ígneo peito, seduzem o luar,

ampliam pelo infinito a cintilação das marés.

Espectro de labirintos vazios,

ele galga a espuma das praias,

a agonia dos condenados à morte.

Ele dardeja a dança dos barcos,

o bordado das ondas,

a solidão dos marinheiros em febre.

Os náufragos, os miseráveis, os afogados,

clamam pela salvação desse sopro de chuvas,

desse maremoto de coices ardentes.

Serenamente soa pela brisa seu pulsar de sândalo,

o seu galope de prismas, delicado aroma

do vinho a incendiar os crepúsculos.

Ele adeja sobre o desespero, salvando-nos

da carne, do medo, do tempo.

Ele nos resgata do pó humano, soerguendo-nos

à sagração das searas fecundas.

Quando seu resfolegar nos arrebata,

nos resgata de nossos pulsos,

ressuscitamos no clarão dos rubis,

na magnitude da aurora boreal.

Desde o nascimentos estamos consagrados

à essa epifania de silêncio e mel:

o cavalo andaluz e o eclipse lunar,

o cavalo cigano e os cometas partidos,

o cavalo de absinto e o mercúrio dos astros.

Galopo no dorso das marés,

meu corpo costurado nos ciclones,

meu torso cravado em tua pele, em teu pelo lunar.

Galopante aridez, eu só sei pulsar no teu plexo,

na fecundidade dos abismos.

Corpos em sôfrega transpiração,

corpos em uníssono, rios a confluírem

num delta de vertigens, foz de enchentes

desvairadas, de correntezas alucinadas.

Possuído pela lâmina dessa fúria,

transmuto-me na energia a cegar

as lanças, os ocasos, os labirintos.

Sou o ser pleno a exaltar-te,

és o que sou, o que fui e serei.

Consagro-me à graça dessa comunhão,

pela qual sou o universo e o nada.

Nessa terra me deito, navego,

nessa pedra me enterro, respiro,

perco-me nesse instinto, nesse espasmo,

para ser o fogo dos corais,

azul febril de infinita iluminura.

Cavalo marinho, dardejante quartzo,

em tuas crinas de ágata, de prata,

queimo a palavra da última estrela,

rasgo o fulgor do teu transe,

da tua clarividência,

pois a morte se fez para os eleitos,

para os profetas, os que sabem da finitude

pelo íntimo do fruto, pelo cerne da chuva.

Eis o pulsar da fúria e das catástrofes:

o cavalo opalino e as estrelas,

o cavalo candente e a poeira dos astros,

o cavalo de vidro e os veleiros incendiados.

Soou a hora derradeira e primeira.

Eis o momento dos vendavais,

do estertor dos cataclismas.

Eis o que em nós germinou

antes do nascer das sementes:

nossa morte, cavalo azul a cortar o céu,

a lançar nosso destino aos astros,

onde a infância nos abraça novamente;

nossa morte, corcel cravejado de safiras,

noite mais densa que as rochas,

onde o azul é harpa de cristais partidos,

batel de marinhas esmaecidas.

A sombra extrema desenha nosso rosto

no vazio de outro rosto.

A sombra extrema, fruto túmido,

pleno, explode nosso íntimo,

dissolvendo-nos na fulguração do eterno.

Eis o momento do cavalo azul.

Eis a hora da ressurreição das marés.

Um tropel de sinfonias e plumas

dardeja nossa carne, rasga nosso sêmen.

O cavalo azul aflora dos abismos,

submerge dos desastres, germina das montanhas.

Em sua sede bebemos nosso avesso.

Em sua fome sorvemos nosso mistério.

Eis a travessia impossível,

onde todo homem não caminha,

porque não tem pernas, nem pés.

Eis a travessia amputada,

pasto de enigmas, partitura dos sonhos,

onde somos cegos em nosso destino cego.

Do fecundo nada, do absoluto silêncio,

nasce essa música cristalina, puríssima:

o cavalo celeste e as enchentes,

o cavalo etrusco e os anéis de saturno,

o cavalo de água e os arquipélagos selvagens.



Imagem retirada da Internet: cavalo azul

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