Os peixes estão no lago, os dardos escondidos.
Entre as pedras e o lodo eles avançam
túrgidos como o amor.
Venha a mão do desejo turvar a água clara
e eles serão o amor, o sol que penetra em gretas
nupciais,
as espadas cobertas de saliva.
Canto Grande
Não tenho mais canções de amor.
Joguei tudo pela janela.
Em companhia da linguagem
fiquei, e o mundo se elucida.
Do mar guardei a melhor onda
que é menos móvel que o amor.
E da vida, guardei a dor
de todos os que estão sofrendo.
Sou um homem que perdeu tudo
mas criou a realidade,
fogueira de imagens, depósito
de coisas que jamais explodem.
De tudo quero o essencial:
o aqueduto de uma cidade,
rodovia do litoral,
o refluxo de uma palavra.
Longe dos céus, mesmo dos próximos,
e perto dos confins da terra,
aqui estou. Minha canção
enfrenta o inverno, é de concreto.
Meu coração está batendo
sua canção de amor maior.
Bate por toda a humanidade,
em verdade não estou só.
Posso agora comunicar-me
e sei que o mundo é muito grande.
Pela mão, levam-me as palavras
a geografias absolutas.
In.Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: Onda
Pareceres da fome
Brasigóis Felício
“Todos nós temos sofrido o desrespeito de algumas companhias aéreas, ora prendendo os passageiros mais de uma hora no avião, sem partir, deixando correr tempo e paciência, ora pelo atraso sintomático pelos abstratos e nunca explicados motivos operacionais, onde se toma pomposo chá de aeroporto, ora dando ao cliente nenhum lanche ou um nada de amendoins, uma leve ração de bolacha e a fome, a fome durante o percurso inteiro, como só acontece, por exemplo, na Gol.
Viajamos na fome e de fome nos alimentamos, quando as horas são longas e o estômago insaciado. Talvez nos caiba, futuramente, um seguro contra a fome nos aviões, pois os seus proprietários estão, paulatinamente, esquecendo a nobre hospedagem para os que são a causa da prosperidade das companhias, ao não querer os passageiros – nem digo fome total – a mínima fome.
E se não houver seguro contra a fome nas viagens aéreas, deverá ser possível indenização posterior, também, contra a companhia de aviação, compatível com o tempo de fome que advier ao passageiro”. Assim escreveu o poeta Carlos Nejar, em crônica publicada no Diário da Manhã, verberando contra o desabono e o desrespeito com que são tratados os passageiros de avião, neste país dos Jobins e das Infraeros que falam muito e fazem pouco. Pois a fome não tem lembrança de não ter sido matéria de urgência urgentíssima. Acima ou abaixo do Equador, emite pareceres impostergáveis, que têm de ser atendidos como se fossem liminares com jurisprudência firmada.
De fato, é chegado o tempo em que, em plena era da Fome Zero, passageiros aeroviários terem de levar matulas, para não sofrer a privação do essencial, em suas viagens. Como o faziam os mais antigos, quando não havia lanchonetes a cada quilômetro de estrada de terra, e era de urgência urgentíssima levar a sagrada farofa, para não ficar com a barriga roncando. Situação em que nem ler é possível, pois o barulho atrapalha.
A fome é um gravame ou privação existencial a que estão sujeitos todos os que, a trabalho ou em passeios, têm de enfrentar a incerteza do embarque, as longas horas de espera, na esperança de serem chamados a ingressar nas salas contíguas às pistas – lugares ambicionados onde, salvo incidentes gravíssimos, verdadeiros casos de polícia -, já se está com os dois pés na escada que dá acesso ao pássaro de asas de prata.
Quanto à fome anunciada e inevitável, pela qual se tem de passar, quando se é passageiro de nossas companhias aviatórias, garatujei algumas palavras, inspiradas no texto de Carlos Nejar: há uma fome funda, e outra, que é bem rasa. Há uma fome de avião, e outra de aeroporto. Na primeira se sofre quando vamos de Gol – é quando se tem de viajar só tendo direito a pedir água e bolacha – sem regalias de biscoito.
Na fome de aeroporto, podemos pedir brevidades de arrancar os olhos à cara: carece ter din-din no bolso. Há uma fome de fruta, que nas feiras e mercados se aplaca: e outra fome, a da carne, que por não ser fraca, que superlota as delegacias da Mulher, e as Varas de Família. Dá-lhes lei Maria da Penha, quem sabe assim os machões se emendam! Estando-se a embarcar no aeroporto Santa Genoveva, há que passar pelo sofrimento de assar no calorão de um desconfortável barracão – sem lugar onde colocar o carro, e tendo-se que esperar de pé, sendo freqüente a superlotação.
Quanto à fome de ontem, é mera lembrança (se não teve continuação). A fome de hoje – sendo sem esperança – é um buraco tão fundo que nele cabe o mundo. Ratos e homens vivem em luta pelo que dê sustança. Quanto a mim, só peço a Deus que não me falte a fome de cada dia, e o pão que a faça ausentar-se, por algum tempo.
Imagem retirada da Internet: Fome
Tão longo caminho
E todas as portas
Tão longo o caminho
Sua sombra errante
Sob o sol a pino
A água de exílio
Por estradas brancas
Quanto Passo andado
País ocupado
Num quarto fechado
As portas se fecham
Fecham-se janelas
Os gestos se escondem
Ninguém lhe responde
Solidão vindima
E não querem vê-lo
Encontra silêncio
Que em sombra tornados
Naquela cidade
Quanto passo andado
Encontrou fechadas
Como vai sozinho
Desenha as paredes
Sob as luas verdes
É brilhante e fria
Ou por negras ruas
Por amor da terra
Onde o medo impera
Os olhos se fecham
As bocas se calam
Quando ele pergunta
Só insultos colhe
O rosto lhe viram
Seu longo combate
Silêncio daqueles
Em monstros se tornam
Tão poucos os homens
In. Mulheres
Imagem retirada da Internet: Caminho
Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
In.Mulheres
Imagem retirada da Internet: Manhã
In.persowanadoo
Imagem retirada da Internet: |Trakl
Georg Trakl
Sebastião no sonho
(Para Adolf Loos)
1
A mãe teve a criança sob a lua branca,
À sombra da nogueira, do sabugueiro secular,
Embriagada pela seiva da papoula, do lamento do melro; .
E silencioso
Sobre elas inclinava-se piedoso um rosto barbado,
Discreto, na escuridão da janela; e velharias
Dos antepassados
Jaziam podres. arnor e fantasia outonal.
Escuro o dia do ano, triste infância,
Quando o rapaz desceu às águas frias, peixes prateados,
Quietude e semblante;
Quando petrificado jogou-se aos corcéis em disparada,
E em noite cinzenta sua estrela vinha sobre ele.
Ou quando pela mão fria da mãe
À tardinha passava pelo outonal cemitério de São Pedro;
Um frágil cadàver jazia inerte no escuro da câmara
E erguia sobre este as pálpebras geladas
Mas ele era um pequeno pássaro em galhos nus,
O sino ao longo do novembro da noite,
O silêncio do pai, dorrnindo ao descer a espiral crepuscular.
2
Paz da alma. Noite de invemo solitário,
As escuras sombras dos pastores no velho lago;
Criança na cabana de palha; quão discreta
Baixava o rosto em febre negra.
Noite sagrada.
Ou quando pela bruta mão do pai
Subi em silêncio o sinistro Monte Calvário
E em crepusculares nichos dos rochedos
A figura azul do Homem passava pela sua lenda,
E da ferida sob o coração corria o sangue purpúreo.
Oh, com que leveza erguia-se a cruz na alma sombria.
Amor; quando em recantos escuros derretia a neve,
Uma brisa azul aninhava-se alegre no velho sabugueiro,
Na abóbada de sombras da nogueira;
E à criança aparecia devagar um anjo rosado. .
Alegria quando em quartos frios soava uma sonata noturna
Nas vigas de madeira marrom
Saía da crisálida prateada.
Oh, a proximidade da morte! Em muro de pedra
Inclinava-se uma cabeça amarela, a criança muda,
Quando naquele mês de março caía a lua.
3
Róseo sino de Páscoa na abóbada tumular da noite
E as vozes prateadas das estrelas
Fizeram descer da fronte do adormecido uma sombria loucura em calafrios.
Oh, tão silencioso um passeio pelo rio azul abaixo
Lembrandoo esquecido, quando nos galhos verdes
O melro chamava ao ocaso um desconhecido.
Ou quando pela magra mão do ancião
Passava à noite ante o muro em ruínas da cidade
E aquele de casaco negro levava uma criança rosada,
E à sombra da nogueira aparecia o espírito do mal.
Tatear os verdes degraus do verão. Oh, tão silenciosa
Ruína do jardim no silêncio marrom do outono,
Odor e melancolia do velho sabugueiro,
Quando na sombra de São Sebastião expirava a voz prateada do anjo.
Tradução: Cláudia Cavalcante
In.PersoWanadoo
Imagem retirada da Internet: Georg Trakl
DE SÃO PAULO
A organização da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) informou que quatro mesas que acontecem durante o evento tiveram os ingressos esgotados logo nos 10 primeiros minutos de vendas.
Eric Risberg/AP
A escritora chilena Isabel Allende, cuja mesa na 8ª edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), já está esgotada As mesas que esgotaram tem o cartunista americano Robert Crumb, o músico americano Lou Reed, a escritora chilena Isabel Allende e o romancista indiano Salman Rushdie.
Os bilhetes para a Flip-2010, que vai de 4 a 8 de agosto e tem como homenageado o sociólogo Gilberto Freyre, começaram a ser vendidos hoje, às 10h. Os ingressos estão sendo vendidos por internet, telefone e em pontos físicos em oito cidades.
Segundo os organizadores, o número de entradas disponíveis para o público será o maior desde que o evento foi criado, em 2003.Dos 850 ingressos para cada mesa literária da Tenda dos Autores, onde ocorrem os principais debates, 75% serão postos à venda.
O restante é distribuído entre patrocinadores, equipe técnica e acompanhantes dos convidados --universo que nos últimos anos recebeu cotas maiores, informou a assessoria do evento, sem precisar o percentual.
Fonte: Folha de São Paulo - 05/07/2010 - 11h35
S I L Ê N C I O
A suposta lua que veríamos,
não a temos.
Somente as dálias,
os hibiscos,
o bule de café,
a sala bem arrumada,
dialogam com o nosso silêncio.
Tudo parece tão terno,
bem acabado,
perfeito para o amor prometido,
invetado em palavras raras,
prontas para serem ditas.
Lá fora,
a chuva,
a vida sonolenta,
a sirene d i s t a n t e,
as sonambúlicas palavras da madrugada
pronunciadas no sexo barato de alguma prostituta.
Aqui,
nos reclinamos,
propensos ao mundo,
ao tempo,
ao gozo,
quedos nas nossas vontades,
nos nossos vazios,
nos nossos delírios.
OS PRIMÁRIOS CAMINHOS DA AUSÊNCIA
Ninguém veio,
e a esperança de um amor incutido
foi se perdendo nas horas.
(Não digo que todo o resto do dia tenha pensado em saudades),
Ninguém veio,
e o poeta,
indefeso,
só pôde acatar e louvar os primários caminhos da ausência.
Não houvesse ausência,
não haveria saudade,
e, por certo, não haveria poema.
Ninguém veio,
e o poeta passou a adiantar-se aos encontros
a contemplar as ausências,
e o poema estava salvo.
In. Revista Poesia Sempre. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2009
Imagem retirada da Internet: Solidão
para meu pai
GENEALOGIA
Aprendi a esperar as estações,
como o palhaço que divisa a platéia do picadeiro:
um semblante triste,
um olhar enviesado,
um sacrifício de espera.
Sorrir da própria dor,
até que todos venham
e lotem o vazio de suas almas.
Tudo se consome de alguma forma,
e o que sobra são os bancos vazios das estações,
rodoviárias e aeroportos.
O avô do meu avô,
assim como o meu avô
e o meu pai,
morreu do coração.
Eu fui poupado,
Nasci poeta.
In. Revista Poesia Sempre. Nº 31, ANO 16,Rio de Janeiro: BIBLIOTECA NACIONAL, 2009.
Imagem retirada da Internet: by Rita Angel A Espera
Dizeres de Estamira
Brasigóis Felício
Estamira é uma mulher do povo, catadora em um dos lixões da Baixada fluminense. Dizem que é doida de pedra, mas é de uma lucidez delirante, tem um discurso apocalíptico, o que teria um Nietzsche antes de mergulhar na escuridão, ou de um Glauber Rocha, na fase em que anunciou ao universo ser o General Golbery do Couto e Silva um gênio da raça, ou um Geraldo Vandré, ao propor uma santa como padroeira do Exército.
Mire e veja: louco talvez seja quem assim a diz – e não é feliz. Estamira jura de pés juntos que é melhor não ser um normal, normoticamente encaixotado na vidinha hipócrita e trivial do burguês com 90% de cifras na alma enferrujada.
Pouco e malmente esquentou bancos de escola. Menos ainda leu Clarice Lispector, nem sabe quem ela foi – nem é afeita à leitura de livros, menos ainda tem rompantes de ser leitora ou poetisa. Contudo, uma poesia alucinada brota, em cascata, por sua boca sempre sorridente, a não ser quando fica brava com a humanidade, e dana a lançar faíscas, estalos de Vieira, em frases cortantes como navalha.
Coerência em sua fala catártica e apoplética quase não há – mas perguntar não ofende lógica e acessibilidade à mente cartesiana e superficial também não existe nas obras de James Joyce, de Clarice Lispector, de Guimarães Rosa, Sousândrade, e de certos poetas vanguardistas? Como no discurso viperino, lançado às escuta impossível da cidade vertiginosa, repleto de indignação e raiva, que proferiu no lixão, diante de cineastas que a filmavam: “Existe a lucidez e a ilucidez. A gente aprende alguma coisa de tanto lucidar”.
Mais adiante, assumindo a postura de um Antonio Conselheiro de saias, pregando aos fanáticos insurrectos, antes do trágico e covarde assalto final aos casebres de Canudos: “Vocês não aprenderam nada na escola. Vocês só copiam hipocrisias e mentiras charlatais!”. Não bastando o peso da acusação, dirigida a toda a humanidade, e sem excluir a equipe de cineastas que filmava seu discurso apocalíptico: “Eu não sou como vocês, que são apenas robôs sanguíneos!”.
Para Estamira, “Neste mundo de maldades não tem mais o inocente. O que tem, isto sim, por todo lado, é o esperto ao contrário”. Comovente de se ver é o prazer de Estamira no cozinhar para suas netas, que de vez em quando a visitam, em seu barraco, na favela. Ou a ternura e cuidado com que cuida de seus muitos cães e gatos. Tudo em seu casebre é limpo.
Psiquiatras que lhe passam remédios para amenizar o que chamam de surtos de alucinação, tratam de Estamira como uma delirante, apenas. Não é de se espantar: Lima Barreto, Antonin Artaud, Cruz e Sousa, José Décio Filho, e outros gênios da literatura foram internados como doidos de pedra – sendo que este último escreveu suas melhores obras no hospício, entre uma e outra sessão de eletro-choque.
Para não dizerem que não terminem esta crônica com os dizeres de estamira, vão aqui mais umas faíscas de seu lucidar delirante: “Tempo eterno é tempo infinito, mas tem o além e o além do além. Nenhum cientista foi até o além, quanto menos no além do além. Para mim, tudo o que nasce é nativo, isto é, natal”.
Tudo isto tendo sido dito por Estamira, dou-me ao direito de também, sendo vidente-louco, segundo o pré-conceito dos que não desafinam no coro dos contentes, de lucidar, ao meu jeito de anjo torto: - Muitos dos que estão nas ruas, engaiolados em seus carros, são apenas escravos, disfarçados de libertos. – Vive em ministério de boniteza não o que fala bonito, mas o que escuta e vive bonito. – No teatro dos dias, as pessoas representam, em cenários de violência e destruição, os fantasmas perversos que serão.
Imagem retirada da Internet: Estamira
Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21 Urubus sobrevoam...