Mario Benedetti - Poema


EL PUENTE





Para cruzalo o para no cruzarlo

ahí está el puente



en la otra orilla alguien me espera

con un durazno y un país



traigo conmigo ofrendas desusadas

entre ellas un paraguas de ombligo de madera

un libro con los pánicos en blanco

y una guitarra que no sé abrazar



vengo con las mejillas del insomnio

los pañuelos del mar y de las paces

Ias tímidas pancartas del dolor

las liturgias del beso y de la sombra



nunca he traído tantas cosas

nunca he venido con tan poco



ahí esta el puente

para cruzarlo o para no cruzarlo

yolIo voy a cruzar

sin prevenciones



en la otra orilla alguien me espera

con un durazno y un país




In. De Preguntas al azar.
Imagem retirada da Internet: Mario Benedetti.

Moacir Félix - Poema


                                                
   POEMA QUASE EXPLICAÇÃO



      Luzes cortam a noite básica
e desenham o mundo em que vivemos.
As estátuas de mármore então brotam
dos lábios e das mãos dos que pararam
e verticalmente apenas olham.


E as estrelas derramam pedra e cal
construindo em cada olhar muralhas
onde fonte magra pinga sol e lua,
- e o relógio é um deus cantando as horas
horas de pedra e cal.


Simplificado como uma lágrima
tu cruzaste a ponte em meninos mortos,
e se teus dedos - já cimento, se crisparam,
teus olhos se encheram de relâmpagos
afiados para os homens de olhos de pedra e cal.


Não mais o refletido caminhar
de teus passos na noite iluminada,
mas descer com os olhos a ladeira
e deixá-los no cárcere sem portas
onde os ratos e os anjos se devoram.


Impassível como um tronco de árvore, onde
os homens gravam a canivete o que calaram.



Imagem retirada da Internet: cidade noturna

Torquato Neto - Poema



A rua



Toda rua tem seu curso
Tem seu leito de água clara
Por onde passa a memória
Lembrando histórias de um tempo
Que não acaba

De uma rua, de uma rua
Eu lembro agora
Que o tempo, ninguém mais
Ninguém mais canta
Muito embora de cirandas
(Oi, de cirandas)
E de meninos correndo
Atrás de bandas

Atrás de bandas que passavam
Como o rio Parnaíba
O rio manso
Passava no fim da rua
E molhava seus lajedos
Onde a noite refletia
O brilho manso
O tempo claro da lua

Ê, São João, ê, Pacatuba
Ê, rua do Barrocão
Ê, Parnaíba passando
Separando a minha rua
Das outras, do Maranhão

De longe pensando nela
Meu coração de menino
Bate forte como um sino
Que anuncia procissão

Ê, minha rua, meu povo
Ê, gente que mal nasceu
Das Dores, que morreu cedo
Luzia, que se perdeu
Macapreto, Zé Velhinho
Esse menino crescido
Que tem o peito ferido
Anda vivo, não morreu

Ê, Pacatuba
Meu tempo de brincar já foi-se embora
Ê, Parnaíba
Passando pela rua até agora
Agora por aqui estou com vontade
E eu volto pra matar esta saudade

Ê, São João, ê, Pacatuba
Ê, rua do Barrocão

Imagem retirada da Internet: rua

 

Torquato Neto - Poema




Cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.




Imagem retirada da Internet: digital

Lêdo Ivo - Poema




A Recompensa





Eis a dádiva da noite: 
fenda, cova, gruta, porta 
casto pássaro sem canto 
cisterna oculta no bosque 
concha perdida na praia 
viva natureza-morta.
Um corredor de coral 
matriz e canal de mangue 
trilha, sebe, valva, furna 
voluta cheia de adornos 
desfiladeiro da tarde 
tumba de sol e corola 
sereno da madrugada.
Manga madura da infância 
que cai num chão de mentira 
sol de lábios e camélias 
esconderijo dos sonhos 
caminho do descaminho 
brancura negra da carne 
pousada em seu próprio ninho 
abertura pura e escura 
entre-fechado botão 
ou entreaberta rosa 
na noite misteriosa.


Fonte: Jornal de Poesia

Imagem retirada da Internet: Maçã
 

Lêdo Ivo - Poema




A Marmita


Em sua marmita
não leva o operário
qualquer metafísica.
Leva peixe frito,
arroz e feijão.
Dentro dela tudo
tem lugar marcado.
Tudo é limitado
e nada é infinito.
A caneca d'água
tem espaço apenas
para a sua sede.
E a marmita é igual
à boca do estômago,
feita sob medida
para a sua fome.
E quando termina
sua refeição,
ele ainda cata
todas as migalhas,
todo esse farelo
de um pão que suasse
durante o trabalho.
Tudo quanto ganha
o operário aplica
como um capital
em sua marmita.
E o que ele não ganha
embora trabalhe
é outro capital
que também investe:
palavra que diz
em seu sindicato,
frase que se escreve
no muro da fábrica,
visão do futuro
que nasce em seus olhos
que só com fumaça
se enchem de lágrimas.
Em sua marmita
não leva o operário
o caviar de
qualquer metafísica.
E sendo ele o mais
exato dos homens
tudo nele é físico
e material,
tem seu nome e forma,
seu peso e volume,
pode-se pegar.
Seu amor tem saia
pêlos e mucosas
e, fecundo, faz
novos operários.
As coisas se medem
pelo seu tamanho:
sono, mesa, trave.
No trem ou no bonde
nenhum operário
pode se espalhar
sem fazer esforço.
É como no mundo:
— tem que empurrar.
Vasilhame cheio
de matéria justa,
sua vida é exata
como uma marmita.
Nela cabe apenas
toda a sua vida.
E não cabe a morte
que esta não existe,
não sendo manual,
não sendo uma peça
de recauchutar.
(Artigo infinito,
sem ferro e sem aço,
qualquer um a embrulha
sem usar barbante
ou papel almaço.)
Fabril e imanente
o operário vive
do que sabe e faz
e, sendo vivente,
respira o que vê.
O tempo que o suja
de óleo e fuligem
é o mesmo que o lava,
tempo feito de água
aberta na tarde
e não de relógio.
E a própria marmita
também é lavada.
E quando ele a leva
de volta pra casa
ela, metal, cheira
menos a comida
do que a operário.


Fonte: Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: Bóias frias

Lêdo Ivo - Poema



O cavalo


No campo matinal
um cavalo assediado
pelo zumbir das moscas
mastiga avidamente,
o capim do universo.
Os insetos volteiam
no anel azul do mundo
- esfera sem passado
nos ares momentâneos.
Não há mitologia
espalhada na relva
que é verde, sem caminhos,
longe das longes terras.
E o cavalo sobrado
da inenarrável guerra
e da paz defendida
à sombra das espadas
mata a fome no campo
onde não jazem mortos
nem retroam clarins.
Sua crina estremece.
E seus cascos escarvam
a plácida planície
coberta pelos pássaros.
Já sem fome, relincha
para os céus que não guardam
as fanfarras e flâmulas
e a fumaça da História,
e se muda em estátua.

Fonte Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: cavalo

Vera Lúcia de Oliveira - Poema


ATÉ O FUNDO




eu cavoucava o barulhinho
das coisas
eu cutucava pedras
eu machucava a terra
eu revolvia os veios
dos troncos
eu escavava até o fundo
a mudez de um junco


(Do livro Entre as junturas dos ossos, Ministério da Educação, 2006, Brasília (Prêmio “Literatura para Todos”, 2006).
Imagem retirada da Internet: troncos

Vera Lúcia de Oliveira - Poema


APRENDI O VENTO




aprendi o vento nas traves doendo
aprendi no escuro das traves
aprendi nas telhas
moendo seu sopro
aprendi como um bicho
aprende o uivo
de outro bicho
como a viga
o estalido
de outra viga


(Do livro Entre as junturas dos ossos, Ministério da Educação, 2006, Brasília (Prêmio “Literatura para Todos”, 2006)
Imagem retirada da Internet: Vento

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